Às vezes, por entre as entranhas dos dias, sentimos o mundo a fugir-nos da mãos, e por muito que corramos atrás dele parecemos incapazes de o alcançar. É como se tudo começasse com um descuido, com um não olhar para dentro de nós uma vez e outra, começa sempre por pequenas coisas, até ao momento, em que, paramos e olhamos, mas já pouco conseguimos fazer.
É qualquer coisa como se tivéssemos uma torneira a pingar e pensássemos ‘é só uma pinga, não vou fazer nada, não tem mal’, até que um dia saímos de casa para umas férias, distraídos nem desligamos a água, as pingas vão-se acumulando e quando regressamos temos uma inundação e, por muito que tentemos, não seremos capazes de acabar com ela sem ajuda e, quando finalmente acabamos com ela, ficam danos dificilmente reparáveis que ‘mancham’ para sempre.
Aquilo que se passa com a saúde mental, é mais ao menos isto, vamos vendo as coisas acontecerem desde muito cedo e vamos pensado “é só uma zanga”, “é só uma pequena ansiedade”, “é só tristeza” e nada fazemos para tentar integrar e sarar esses momentos. Geralmente, ao fim de vários acumulares bastantes pequeninos, apercebemo-nos que aquilo que era só uma zanga virou um caos dentro de nós, aquilo que considerávamos só uma ansiedade virou uma angústia sem fim e parecemos não ser capazes de encontrar resposta em lugar nenhum.
Primeiro, há a sensação que ninguém nos compreende e, muitas vezes, de facto ninguém pode compreender o que se passa dentro de nós, e é aqui que se inicia o desamparo, a solidão. E, nesta sequência, a dor começa a virar-se para dentro, não só ninguém nos compreende como nós não nos compreendemos a nós próprios e daqui para o mundo nos saltar das mãos e nos sentirmos absolutamente desligados da vida é apenas uma pequeno passo.
Às vezes, quando o mundo nos salta das mãos reagimos para fora de forma rebelde e tentado atacar tudo e todos, outras vezes, viramos para dentro, fechamo-nos no casulo e ali ficamos. Em qualquer das situações estamos a pôr a vida em suspenso. Regra geral, estes são os passos mais comuns que levam alguns de nós - aparentemente sempre saudáveis e satisfeitos com a vida - ao desgaste psicológico e, daí, à ruptura e à frágil saúde mental. O que, por norma, une estes dois estados é a dor e a solidão, é uma espécie de sensação de que, mais tarde ou mais cedo, alguma coisa vai acabar por nos destruir por dentro ou por fora e de que estamos distantes, não só dos outros, mas também de nós próprios.
Pôr a vida em suspenso, é assim uma espécie de cuidados paliativos da alma, permite-nos ter uma certa sensação de controlo e de equilíbrio momentâneo, mas mostra-nos que estamos apenas a ‘morrer devagarinho’ e isso, só por si, atira-nos para um canto e torna difícil o nosso resgate.
Para que deixemos de trilhar caminhos que nos levam a viver em suspenso, devemos ser capazes de parar e olhar para dentro de nós e para dentro de quem é importante para nós, de forma a, garantirmos que em tempo real conseguimos expressar e dar significado a nós próprios e, ao mesmo tempo, dar o colo necessário às pessoas que estão à nossa volta. Só assim, damos o primeiro passo para diariamente abrirmos espaço à saúde mental.
Comments